quinta-feira, 30 de abril de 2009

A senhora que conhecia toda a gente

Era mulher para cinquenta, cinquenta e poucos anos...Baixinha, de formas generosas, cabelo pintado em tons de acobreado triste, baço e escuro e uns típicos óculos na ponta do nariz. Sentada atrás da sua larga secretária, indagava os contribuintes sobre o que os tinha levado ali. Não era óbvio? O que é que se faz nas Finanças? Participa-se sempre qualquer coisa, para depois cobrarem imposto. São os chamados actos de voluntariado coercivo...Mas tudo, bem, os contribuintes lá explicaram que vinham participar um óbito de uma senhora. Uma senhora? Mas quem seria? Enquanto franzia o sobrolho, remexia avidamente os papéis que escondiam um facto que lhe escapara... Quem era a falecida? Como era possível ela não saber quem era? Apercebendo-se da sua preocupação, os contribuintes lá foram tentando dizer que a senhora tinha emigrado para o Canadá, que o marido e a filha também andavam lá por essas bandas e que, portanto, talvez fosse natural ela não estar a ver quem era...Mas não. Ela tinha que saber. Ela conhecia toda a gente. Quem eram estes pobres contribuintes que vinham agora questionar se ela conhecia ou não toda a gente? Então eles não sabem que o Chefe lá das Finanças, quando quer coscuvilhar sobre quem vai ver os seus bens e rendimentos penhorados, a chama? E diz: Ó Rosário, quem são estes? Estes são o não sei quantos e a não sei quantas, lá do Sítio do não sei quê, que até têm um primo que tem uma funerária ali ao pé das finanças. Ah bom. Fica o chefe mais descansado. Assim como assim, se tudo falhar, sempre pode pensar em ir dar uma palavrinha ao primo da funerária que, amedrontado, sempre pode oferecer um desconto na caixa de mogno que há-de levar a tia do Chefe que já está muito mal lá no lar da terra. Adiante. Após muitas conjecturas em tom de reza, lá acabou por dizer que já estava a ver quem era...Só podia ser a mulher de um senhor, a quem, por alturas das festas de verão do ano passado, ela tinha batido à porta para contribuir para as festividades locais. Só podia. Só podia ser esse o marido da falecida, até porque, recordava-se então ela, até tinha ouvido dizer que a mulher dele andava mal. Só podia. Até porque ela é a senhora que conhece toda a gente.

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