segunda-feira, 22 de junho de 2009

A laranja podre

Texto de Mário Crespo-JN:1/6/2009

"Morreu o cavaquismo


Entre mais-valias na carteira de acções do professor Cavaco Silva e o
solilóquio de Oliveira e Costa no Parlamento, morreu o cavaquismo.
As
horas de aflitivo testemunho enterraram o que restava do mito.
Oliveira e Costa e Dias Loureiro foram delfins de Cavaco Silva.
Activos, incansáveis, dinâmicos, competentes, foram para Cavaco
indefectíveis, prestáveis, diligentes e serventuários. Nas posições
que tinham na SLN e no BPN estavam a par da carteira de acções de
Cavaco Silva e família. Os dois foram os arquitectos dos colossais
apoios financeiros que nas suas diversas incarnações o cavaquismo
conseguiu mobilizar logo que o vislumbre de uma hierarquia de poder em
redor do antigo professor de Economia se desenhava. Intermediaram com
empresários e financeiros. Hipotecaram, hipotecaram-se e (sabemos
agora) hipotecaram-nos, quando a concretização dos sonhos de poder do
professor exigia mais um esforço financeiro, mais uma sede de
campanha, mais uma frota de veículos para as comitivas, mais uns
cartazes, um andar inteiro num hotel caro ou uma viagem num avião
fretado. Dias Loureiro e Oliveira e Costa estiveram lá e entregaram o
que lhes foi requerido e o que não foi.

Como as hordas de pedintes romenos, esgravataram donativos entre os
menos milionários e exigiram contribuições aos mais milionários.
Cobraram favores passados e venderam títulos de promissórias sobre
futuros favores. O BPN é muito disso. Nascido de um surpreendente
surto de liquidez à disposição do antigo secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais de Cavaco Silva, foi montado como uma turbina de
multiplicação de dinheiros que se foi aventurando cada vez mais longe,
indo em jactos executivos muito para lá do ponto de não regresso. Não
era o banco de Cavaco Silva, mas o facto de ser uma instituição gerida
pelos homens fortes do regime cavaquista onde, como refere uma nota da
Presidência da República, estava parte da (...) "gestão das poupanças do
prof. Cavaco Silva e da sua mulher", funcionou como uma garantia de
confiança, do género daquele aval de qualidade nas conservas de
arenque britânico onde se lê "by special appointment to His Royal
Majesty..." significando que o aromático peixe é recomendado pela
família real. Portugal devia ter sabido pelo seu presidente que a sua
confiança nos serviços bancários de Oliveira e Costa era tal que tinha
investido poupanças suas em acções da holding que detinha o banco. Mas
não soube. Depois, um banco de Cavaco e família teria de ser um banco
da boa moeda. E não foi. Pelo que agora se sabe, confrontando datas,
já o banco falia e Cavaco Silva fazia sentar na mesa do Conselho de
Estado, por sua escolha pessoal, Dias Loureiro, que entre estranhos
negócios com El Assir, o libanês, e Hector Hoyos, o porto-riquenho,
passou a dar parecer sobre assuntos de Estado ao mais alto nível.
Depois, vieram os soturnos episódios de que Oliveira e Costa nos deu
conta no Parlamento, com as buscas alucinadas por dinheiro das
Arábias. Surpreendentemente, quase até ao fim houve crédulos que
entraram credores de sobrolho carregado para almoços com Oliveira e
Costa nas históricas salas privadas do último andar da sede do BPN e
saíram accionistas dos dois mil milhões de bolhas especulativas que
agora os portugueses estão a pagar. Surpreendentemente também, o Banco
de Portugal nada detectou. Surpreendentemente, o presidente da
República protegeu o seu conselheiro, mesmo quando as dúvidas
diminuíam e as certezas se avolumavam, cai o regime. De Oliveira e
Costa no Parlamento fica ainda no ar o seu ameaçador: "eu ainda não
contei tudo". Quando o fizer, provavelmente, cai o regime.
Francamente, com tudo o que se sabe, já não é sem tempo."

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